sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Discurso do escritor Luiz Ruffato na Feira de Frankfurt (2013)

Foto: Reprodução
“O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.

O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro –é a alteridade que nos confere o sentido de existir–, o outro é também aquele que pode nos aniquilar… E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.

Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones.

Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas – ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.

Até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, artistas plásticos, cineastas, jornalistas, escritores.

Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania –moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade–, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém…

Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios –o semelhante torna-se o inimigo.

A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.

Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados. 

Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade. 

E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.

O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais –ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples.

A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.

Mas, temos avançado.

A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia – são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.

Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, e sim privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.

Nós somos um país paradoxal.

Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo –amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.

Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos…

Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?

Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro –seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual– como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora.”

Luiz Ruffato - Frankfurt, 08 de outubro de 2013

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Convite de Confraternização

A Casa do Escritor Pinhalense "Edgard Cavalheiro", tem o prazer de convidar todos os seus membros  e amigos para a confraternização de fim de ano da instituição, que acontecerá no dia 27 de novembro de 2013, a partir das 20h, no prédio da Associação Cultural Antônio Benedicto Machado Florence (o antigo Casarão). Participe levando um prato de doce/salgado ou um refrigerante.
 
Venha confraternizar conosco, sua presença é muito importante!
 
Para mais informações envie um e-mail para casadoescritoredca@gmail.com

domingo, 24 de novembro de 2013

Historiadora mineira lança biografia do Comendador Montenegro

Em evento realizado em Espírito Santo do Pinhal na manhã de sábado, 23, a historiadora Sônia Maria de Freitas, doutora em História Social pela USP e autora de sete livros, participou do lançamento do livro Vida e Obra do Comendador Montenegro – Um Lousanense Visionário no Brasil, biografia do português João Elisario de Carvalho Montenegro (1824-1915), o Comendador Montenegro.

Organizado pelo UniPinhal e a Florestal Jequitibá, o evento ocorreu no prédio da Associação Cultural Antônio Benedicto Machado Florence (o antigo Casarão) e contou com a presença de autoridades, educadores, escritores e o público em geral. Durante todo o evento, que teve início com a apresentação musical do Coral Zequinha de Abreu, foi falado sobre a importância de Comendador Montenegro para Portugal, Brasil e principalmente Pinhal.

Nascido em Lousã, distrito de Coimbra, Comendador Montenegro chegou ao Brasil em 1867 e fundou em Espírito Santo do Pinhal a colônia Nova Louzã, no entanto ele marcou seu nome na história por possuir ideais a frente do seu tempo. Além de usar mão de obra livre e assalariada, quando o Brasil ainda vivia sob o regime da escravidão, Montenegro foi um dos responsáveis pela chegada da ferrovia à região de Nova Louzã, o que “barateou o custo do café, do transporte do café, de pessoas e de mercadorias”, explicou a historiadora em entrevista exclusiva.

Em relação ao motivo de pesquisar sobre a vida dessa importante figura, Sônia Maria de Freitas disse que descobriu a história de Comendador quando iniciou a pesquisa sobre os portugueses em São Paulo. “Percebi que a imigração portuguesa tinha sido muito pouco estudada”. “Como neta de portugueses, isso me incomodava bastante. Foi aí que comecei a estudar a imigração”, revelou. A historiadora ainda disse que sua pesquisa a trouxe para Espírito Santo do Pinhal, onde contou com o apoio de inúmeras pessoas e em 2011 organizou uma exposição sobre a vida do Comendador Montenegro.

Com o lançamento da obra, Sônia garante ter o sentimento de dever cumprido por estar “devolvendo pra cidade a sua memória e sua história”. Além disso, a historiadora revelou que continuará estudando a imigração da Lousã para o Brasil e que talvez esse seja seu projeto em nível de pós-doutorado.

Por fim, ao ser questionada sobre a polêmica em meio as publicações de biografias, Sônia disse ser “totalmente contra qualquer proibição”, pois “todo mundo tem uma curiosidade, uma necessidade de saber um pouco da história de pessoas que deram certo”. Ela ainda disse acreditar que o Supremo Tribunal Federal dará “um parecer favorável para que seja liberada a publicação das biografias”.

Ainda durante o evento, que contou com um coquetel e a declamação de poesias, Sônia Maria de Freitas pediu que todos lutassem para preservar a memória do Comendador Montenegro, assim como de seu túmulo. Ela ainda se declarou pinhalense de coração.

O livro Vida e Obra do Comendador Montenegro será lançado em Lousã, terra do Comendador Montenegro, no próximo mês de abril.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Lançamento do livro "Vida e Obra do Comendador Montenegro"

Acontece no próximo sábado, 23, no prédio da Associação Cultural Antônio Benedicto Machado Florence (o antigo Casarão), o lançamento do livro Vida e Obra do Comendador Montenegro - Um Lousanense visionário no Brasil, de autoria da historiadora Sônia Maria de Freitas. O evento, organizado pela UniPinhal e Florestal Jequitibá, acontece a partir das 10h.

Em seu sétimo livro, a historiadora descreve a trajetória de João Elisário de Carvalho Montenegro (1824-1915), português natural de Lousã, distrito de Coimbra, que chegou ao Brasil em 1867 e fundou em Espírito Santo do Pinhal a fazenda (atualmente bairro) Nova Louzã, onde posteriormente nasceu e cresceu o escritor Edgard Cavalheiro.

Comendador Montenegro, como ficou conhecido, marcou seu nome por possuir ideais incomuns para a época, como, por exemplo, ao usar mão de obra livre e assalariada em uma época em que ainda estava em vigor a escravatura no Brasil. Montenegro também foi o responsável pelo movimento que garantiu a chegada da ferrovia na região de Espírito Santo do Pinhal, além de ter contribuído para inúmeras obras em sua terra natal.

Além do evento de lançamento que acontece no próximo sábado, a autora também já participou de um evento em São Paulo e deve lançar a obra na Biblioteca Municipal Comendador Montenegro, em Lousã, Portugal.

Corria o ano de 1867, quando em 6 de fevereiro o imigrante português João Elisário de Carvalho Montenegro trouxe 29 pessoas de sua terra natal para fundar a Colônia Nova Louzã, nas proximidades de Espírito Santo do Pinhal-SP. Nascido na Vila da Lousã, Distrito de Coimbra, Portugal, Montenegro inovou usando exclusivamente mão de obra livre e assalariada na sua fazenda, no tempo em que o trabalho escravo e o sistema de parceria eram predominantes nas relações de trabalho no Brasil.
Homem de ampla visão, com ideias democráticas e humanistas muito avançadas para a época, fez da abolição da escravatura, da imigração e do trabalho livre e assalariado, suas principais bandeiras de luta. Apesar da resistência de alguns, sua experiência iria influenciar outros fazendeiros, contribuindo para o fim do regime escravocrata no Brasil e a vinda de mais de 3 milhões de imigrantes para São Paulo, principalmente para trabalhar na cafeicultura.
Montenegro foi pioneiro também em outras iniciativas: lançou o movimento para que a ferrovia chegasse à região de Espírito Santo do Pinhal, cuja construção facilitou e barateou o custo de transporte do café, de mercadorias, além de pessoas e ideias.
Em sua terra natal, o Comendador Montenegro participou da fundação do Hospital de São João, do Instituto D. Luís I e da primeira biblioteca pública. No Brasil, colaborou com grande soma de dinheiro para a construção do primeiro prédio da Beneficência Portuguesa de São Paulo, além do Hospital Francisco Rosas, da Santa Casa de Misericórdia de Pinhal.
A historiadora Sônia Maria de Freitas, em seu sétimo livro, Vida e Obra do Comendador Montenegro: Um Lousanense Visionário no Brasil, descreve a trajetória desse formidável português. A obra resulta de uma ampla pesquisa realizada em coleções particulares, arquivos e bibliotecas portuguesas e brasileiras. Em suas 200 páginas, a obra inclui rica documentação histórica, 120 fotografias de época, além de gráficos e tabelas.
No prefácio, o historiador Roberto Vasconcelos Martins salienta que "faltava ainda um trabalho biográfico de peso que viesse preencher essa lacuna e fazer justiça a um ser cuja existência jamais poderia cair no esquecimento (... a autora) com a sua coragem e determinação deixará para a posteridade uma obra admirável que muito honrará aos brasileiros e portugueses" - (Polo Printer, 2013).

Sônia Maria de Freitas
Doutora em História Social pela USP, Sonia atuou como pesquisadora e curadora no Museu da Imagem e do Som e no Museu da Imigração, em São Paulo. É membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Além de participar de obras coletivas, possui artigos em revistas científicas no Brasil e no exterior. Entre outros títulos, publicou História Oral: Possibilidades e Procedimentos (São Paulo, 2002), Café e Imigração (São Paulo, 2003), Presença Portuguesa em São Paulo (São Paulo, 2006); e Beneficência Portuguesa de São Paulo: Um Século e Meio Provendo Saúde (São Paulo, 2009).
Com a obra “Presença Portuguesa em São Paulo” editado pela Imprensa Oficial, recebeu prêmio da Academia Paulistana de História. Além de diploma pelos serviços prestados em prol da Comunidade Luso-Brasileira, pela Câmara Municipal de São Paulo e pelo Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo, e agraciada com medalha Comendador Pereira Queiroz pela Casa de Portugal de São Paulo, dentre várias outras homenagens e premiações.

Foto: Reprodução