Confira abaixo a entrevista realizada pelo blog Over Shock, em parceria com o blog da Casa do Escritor Pinhalense “Edgard Cavalheiro”, com a educadora Emília Cipriano, durante a I Semana Edgard Cavalheiro:
Foto: Ricardo Biazotto/Over Shock |
Emília Cipriano – Eu acho que primeiro é porque você abrir a possibilidade de os educadores estarem olhando a educação em sua perspectiva mais ampla, que é na relação com a cultura. Aí eu quis trazer a cultura infantil. A importância dessa cultura infantil, as representações que ela tem, as múltiplas formas de se organizar, o jeito como ela está, o sentido, e nessa perspectiva, eu acho que aqui aconteceu uma coisa muito bonita: que é quando você reúne a comunidade junto com os professores, com os grupos, para pensar em uma dimensão de construção coletiva.
Acho que esse é o grande desafio desse momento histórico nosso. Não são soluções individualizadas, mas situações muito mais no contexto que a gente está habitando, no caso na cidade que vocês vivem.
Ricardo Biazotto (Over Shock) – A senhora acha que existe um vácuo cultural, dos alunos e dos professores, que impede essa aproximação com o teatro, com a literatura?
Emília – Não tenho dúvida que a gente utiliza muito pouco as múltiplas linguagens, em especial a arte cénica, a literatura, as relações com a música profundamente, e isso é uma pena, porque a medida que você não tem expressão, e a partir dessa expressão que as linguagem fluem, que elas constituem esse sentido, então é importante que a gente resgaste isso, que estratégias como ela possibilitam essa perspectiva.
Ricardo Biazotto (Over Shock) – Durante a palestra foram citadas várias formas de acontecer o acolhimento dos alunos. Qual é a principal forma de reencantar o aluno, reencantar o professor, reecantar a sociedade?
Emília – Primeiro percebendo que cada um é único e que tem competências muito próprias, e não subestimar nenhum ser-humano, mas trazê-lo para poder partilhar com os outros suas competências. Segundo princípio: é perceber nas diferenças a riqueza desse trabalho, e que há uma multiplicidade de formas, de olhar, de percepção que precisa ser resgatados por nós.
Não se você estava desde o início, quando eu apresentei imagens de crianças. Você tem desde a criança, que é aquela que a mídia apresenta e tal, mas você tem a criança que está lá no nosso contexto que às vezes não tem nada a ver com aquele estereótipo que é colocado. É romper com isso. É trabalhar com seres concretos, experiências concretas, olhando e se desafiando para enfrentar os desafios desse contexto, que é extremamente, eu diria, desrespeitoso com alguns princípios, distante das necessidades infantis e das necessidades humanas, de percepção do outro.
Você vê que quando a gente é chamado pra tocar, pra perceber, a gente acolhe. Então é essa a provocação maior. É como eu me percebo, construindo uma relação diferente com o conjunto de crianças que atuo.
Ricardo Biazotto (Over Shock) – O que a senhora mudaria, o que a senhora acha que seria necessário fazer para mudar a realidade da educação brasileira?
Emília – Primeiro eu mudaria a compreensão de currículo que nós temos. Um currículo muito engessado, disciplinas dissociadas uma das outras, eu trabalharia muito mais no foco da arte, acho que a arte é uma grande perspectiva, porque ela vai possibilitar linguagens diferentes e possibilidades de várias leituras de mundo, não uma única leitura, isso já amplia horizontes. Uma segunda coisa: a formação dos educadores. Precisa ser muito voltada para essa perspectiva, precisa-se retomar isso. A escola ainda é uma escola muito conteudista, muito preocupada com questões já de imediatismo e não de processo de reflexão, eu quero formar alguém mais reflexivo, mais crítico, mais analítico, mais participativo, mais ciente do espaço que ele ocupa. E uma terceira perspectiva seria políticas públicas que contemplasse de fato essa possibilidade de articular a cultura, educação, relações humanas, em um contexto muito mais amplo e não focados de uma forma tão fragmentada como vem sendo, como vem ocorrendo em nosso país.
Ricardo Biazotto (Over Shock) – Para encerrar, gostaria que você falasse um pouco sobre sua carreira como palestrante e educadora.
Emília – Na verdade sou professora da PUC de São Paulo há 27 anos, trabalho como pesquisadora da infância, atualmente trabalhos em vários projetos no Brasil, e tenho trabalhado muito essa questão das múltiplas linguagens, da importância de trazer principalmente a arte para o trabalho com formação de educadores e para as escolas brasileiras. Hoje eu sinto que nós avançamos em algumas coisas, iniciativas como essa já são questões que vão sinalizando que é possível. A literatura é uma das áreas que mais vão trazer a gente para o mundo das metáforas, das relações, dos símbolos. Acho que é isso, outra lógica. Claro que na minha carreira, uma coisa eu sinto, formando formadores, porque eu formo professores, que serão formadores de crianças, mas eu sinto que o maior desafio que eu enfrento hoje é trazer as pessoas a se inspirarem mais naquilo que elas fazem, não fazerem disso apenas uma atividade sem afeto, sem envolvimento, sem compromisso ético, sem compromisso estético, sem compromisso político com a mudança dessa realidade.
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