segunda-feira, 25 de março de 2013

Política, religião e questões sociais em debate sobre "Capitães da Areia" no Clube do Livro "Edgard Cavalheiro"

Para os jovens, as noites de sábado costumam ser reservadas para a balada, porém no último sábado, 23, vários jovens se reuniram no prédio da Associação Cultural Antônio Benedicto Machado Florence para um debate sobre o livro Capitães da Areia, publicado originalmente em 1937.

"Jorge Amado, amado pelo público, incompreendido, muitas vezes, pela crítica (...) será sempre lembrado como o escritor que conseguiu manter um diálogo permanente e intenso com o público", disse a professora de literatura Maria Cristina Alvater Biagio em sua resenha para o site do Colégio São José. E foi exatamente um diálogo intenso que marcou o primeiro encontro do Clube do Livro "Edgard Cavalheiro", um projeto idealizado por membros da Casa do Escritor Pinhalense "Edgard Cavalheiro".

A preparação para esse encontro aconteceu durante as últimas semanas, e enquanto os idealizadores buscaram organizar tudo da melhor maneira possível, os membros fizeram a leitura do livro em questão para apresentar opiniões sobre narrativa e a moral social, política e religiosa de Capitães da Areia. E para que o evento tivesse completo, foram expostos painéis sobre a vida e a obra do autor baiano, que faleceu em agosto de 2001, painéis esses confeccionados pela professora Simone Jorge, que leciona português e inglês na E. E. "Cardeal Leme". Os painéis continuarão no prédio da Associação Cultural ao longo da próxima semana.

Contando com a ilustre presença do escritor José Geraldo Motta Florence, pinhalense nascido em abril de 1921, o Clube do Livro iniciou suas atividades por volta das 20h com os agradecimentos a parceiros e colaboradores, incluindo a Associação Cultural, que abriu suas portas para esse encontro; a editora Valentina e o escritor Sérgio Roberto de Paulo, que concederam livros como prêmio de um Concurso de Desenhos; e os demais parceiros, como a Casa do Escritor, o Departamento de Cultura e Turismo, e o Grupo de Debates da E. E. "Cardeal Leme", entre outros.

Na sequência, membros entregaram os desenhos que concorrem no Concurso de Desenhos sobre Capitães da Areia. Esses desenhos serão avaliados na próxima quarta-feira,  27, em reunião da Casa do Escritor, e os prêmios serão entregues no mesmo dia.

Por fim, foram apresentadas algumas curiosidades sobre o livro, como o fato dele ter causado polêmica na época de seu lançamento, chegando inclusive a ter exemplares queimados e apreendidos. Só então os membros passaram a apresentar suas opiniões sobre o livro, destacando que, apesar de ter sido escrito de uma forma coloquial, a leitura de Capitães da Areia flui normalmente, possibilitando se apegar com a história e seus personagens.

Em comemoração ao centenário de Jorge Amado, que aconteceu em agosto de 2012, Paloma Amado, neta do autor, dirigiu uma adaptação do livro para o cinema e isso também foi destaque no debate. Segundo os participantes, apesar de muita coisa ter sido deixada de lado, o que é normal, a cineasta conseguiu passar a mesma mensagem que encontramos no livro. E foi exatamente essa mensagem que movimentou grande parte do debate.

Além de contar a história dos meninos abandonados, Jorge Amado mostrou em seu livro a omissão da sociedade perante seus problemas e sua ligação aos ideais comunistas, tão presentes na obra. Nesse caso, os garotos roubavam da burguesia para dividir entre os menos favorecidos e muitos foram os comentários sobre as atitudes dos protagonistas, que passavam uma imagem madura, mas que em ao menos um momento do enredo, mostravam que também eram crianças. Crianças em busca de liberdade e da formação de sua própria história.

Por ser considerado um livro forte e chocante, muito se questiona se Capitães da Areia pode ser um livro indicado a adolescentes entre 13 e 16 anos. Para grande parte dos participantes, não existe problema indicar essa obra para essa faixa etária, já que tudo depende da forma como o leitor lida com o enredo, que apesar de escrito há mais de 70 anos, continua atual e mostra a realidade de um país como o Brasil.

Dando continuidade, ainda foram discutidos os motivos dos nomes de cada um dos personagens, os desfechos, as ligações entre religiões, os preconceitos, e o que motivava as crianças abandonadas a terem o desejo de permanecer vivendo nas ruas, mesmo quando havia a oportunidade de viver de uma forma mais digna.

Após os debates sobre a obra, alguns dos participantes concederam uma entrevista com exclusividade ao blog da Casa do Escritor Pinhalense "Edgard Cavalheiro". A jovem Ana Paula Ricci, que está em fase de vestibular e frequenta as reuniões do Grupo de Debates, disse que acredita que um projeto como o Clube do Livro "dá um estímulo maior para as pessoas, porque você tem que ler o livro, é certo, mas tendo relações com outras pessoas que estão tendo o mesmo contato com o mesmo livro que você tem, isso te dá vivências novas. Cada um tem um olhar para enxergar, de um jeito diferente, e isso te agrega situações, citações na verdade, que as pessoas fazem, que dá um sentido maior para o que você tem lido. Eu acho muito importante isso, porque há um troca, tanto no intelectual da leitura, quanto mesmo uma troca pessoal, porque cada um vai ter uma vivência, as visões vão agregar uma riqueza maior para esse debate, não vai ficar só naquilo: "você vai ler o livro pra fazer o vestibular, e vai ficar naquela decoreba". Não! Você realmente vai gravar, porque aquilo te motivou, foi pra dentro de você e realmente refletiu naquilo, você viu sentido".

Eric Neubauer, que já participou de reuniões da Casa do Escritor, também concedeu uma entrevista comentando sobre a importância de um projeto como esse para alunos do Ensino Médio: "Acho que isso serve muito como um incentivo, até porque o jovem do Ensino Médio, querendo ou não, ele tá procurando coisas mais divertidas pra fazer do que ler um livro antigo já, para os padrões dele. Sendo assim, o fato do grupo de literatura pode atrair, dar um motivo para os jovens lerem os livros, e a partir daí se preparem, e os que não conseguem ler, podem vir aqui e ver a opinião das outras pessoas, quem sabe não tira uma conclusão, são motivados a ler, ou pelo menos conseguem compreender o que o livro quer passar. Porque ainda assim, se você não termina de ler um livro e vai atrás do resumo, o resumo pode resumir o enredo, mas não vai resumir a crítica por trás do livro, não vai resumir o que ele tá dizendo. Então é importante essa convivência entre jovens, até porque, esse é um lugar que você vai vim pra fazer mais amizades, essas amizades podem te convencer a procurar coisas que interessam os outros, no caso os livros que aqui a gente tá lendo". Na sequência, Eric também falou sobre sua opinião em relação ao livro e ao autor: "Eu achei interessante o estilo dele de escrita, porque ele meio que mescla a crítica social de uma maneira muito simples de ser lido. É um livro que uma pessoa não precisa estar com o dicionário para entender o que ele tá dizendo, mas ao mesmo tempo ele passa uma complexidade muito grande. Ele escreve de um jeito que o povo consiga ler e consiga captar essa mensagem que ele tá querendo passar. É um estilo de ele escrever específico para passar a mensagem que ele quer, e eu acho algo muito válido, porque mais vale o cara escrever de um jeito mais simples, mas pelo menos ele vai estar passando a mensagem, e mais adeptos da teoria dele, mais adeptos ao estilo dele vão surgindo. É muito bom para convencer os jovens a ler o livro que ele está escrevendo".

Sobre a importância de Jorge Amado e seus livros, o professor Paulo Romão, membro da Casa do Escritor, comentou: "A obra do Jorge Amado foi colocada como uma obra de vestibular não só por ser um clássico, como os demais, mas acredito que por ser um clássico mais acessível que os demais, com uma linguagem mais simples, que aborda temas mais próximos da realidade dos nossos jovens. Acredito que essa seja uma porta de entrada para leitura dos demais clássicos. Quando começa a ler Jorge Amado, os alunos sempre comentam que gostaram, por não ter aquelas palavras difíceis que tem um Machado de Assis da vida, um Guimarães Rosa. Eles começam a ver a literatura de outra forma, e as reflexões que o livro impõe também facilitam que eles comecem o entendimento de escolas literárias parecidas, como por exemplo, o realismo".

Ao final, ficou decidido que o próximo encontro acontecerá em 27 de abril e o tema será livre, possibilitando aos participantes apresentarem os livros lidos ao longo do mês de abril.

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