terça-feira, 17 de setembro de 2013

Historiador Marco Antonio Villa concede entrevista o blog Over Shock

Confira abaixo a entrevista realizada pelo blog Over Shock, em parceria com o blog da Casa do Escritor Pinhalense “Edgard Cavalheiro”, com o historiador Marco Antonio Villa, durante a I Semana Edgard Cavalheiro:

Foto: Ricardo Biazotto/Over Shock
Ricardo Biazotto (Over Shock)Marco, gostaria que você comentasse sobre em que ponto a história, a política e a literatura se unem.
Marco Antônio Villa – Eu acho que, no caso brasileiro, muitas questões sociais, primeiro as questões sociais importantes da história brasileira, né? Você vê que, no século XIX, muitos dos livros tratam da questão da escravidão, vamos lembrar o caso de O Cortiço, por exemplo. No século XX, nos anos 30 e 40, o romance regionalista, que tem sempre uma temática social. Então, em vários momentos da literatura brasileira, ela dialogou com as questões da sociedade brasileira, ou durante o império ou durante a república e tal. E muitas vezes vários escritores tiveram participação, ou como funcionários públicos, durante um período grande parte dos escritores eram funcionários públicos, ou escritores que também tiveram participação política. Você encontra isso no primeiro reinado, no segundo reinado ou na República Velha, ou nos anos trinta pra frente, teve uma participação ativa. Basta lembrar na constituição de 46, o Jorge Amado é constituinte, já era um escritor consagrado; Gilberto Freire, que era um sociólogo, teve participação ativa na constituinte, criando inclusive até a fundação Joaquim Nabuco, e assim por diante.
Mais recentemente, não sei, teríamos que estudar também quais são as razões, é que houve certo afastamento dessa relação mais próxima entre escritores, intelectuais e vida política. Pode ser também, eu não sei por que, a literatura brasileira foi perdendo grandes nomes, né? É difícil você encontrar grandes nomes da literatura brasileira, por exemplo, com menos de cinquenta anos. Você vai procurar, procurar, e vai ter alguma dificuldade.
Teve certos momentos, como por exemplo nos anos 30, você tinha vários escritores com menos de cinquenta anos que já eram consagrados. A Raquel de Queiroz era uma menina quando escreveu O Quinze; o Jorge Amado tinha menos de cinquenta anos nos anos 30; o José Lins do Rego, idem. Isso só pra citar alguns.
Então, essa situação aqui é diferente. Não sei, é alguma questão que nós temos no Brasil em que houve uma diminuição na importância da literatura. O que não é um fenômeno mundial, vale lembrar, isso não ocorre em vários países da América Latina, por exemplo, mas é uma questão que tá presente no Brasil. Pode ser, que o longo período do Regime Militar tenha criado dificuldades para o desenvolvimento da literatura brasileira, mas não acho também que essa seja a única explicação, porque outros países tiveram momentos até mais longos, e tiveram e tem grande escritores aí e tal. Eu não sei por que não temos escritores mais jovens e porque esse diálogo, que foi histórico nos séculos XIX e XX, não se mantém hoje no Brasil.

Ricardo Biazotto (Over Shock) – Seria possível alguma solução para que esses escritores voltem a ter uma participação política mais ativa?
Villa – Eu acho que pode ser que, as mudanças... Essa desilusão da política, essa coisa meio suja, a ideia de que a política é algo sujo, é uma coisa muito negativa para a democracia. Isso tem interferido um pouco, não sei, pode ser, na literatura brasileira.
Se nós olharmos os livros dos últimos dez anos, por exemplo, mais conhecidos, alguns ganharam prêmio, etc., você vai observar que essas questões clássicas que estavam na literatura, não só dos anos 30 e 40, porque você encontra isso no final do XIX, no Aluísio de Azevedo, por exemplo que eu citei O Cortiço, elas não estão mais presentes. São mais questões de ordem pessoal e individual.
Estou lembrando alguns agora: O Filho Eterno, do Cristovão Tezza, um escritor paranaense e tal, entre outros, alguns que têm um pouco essa temática clássica. Alguns no nordeste estão escrevendo hoje, mas parece que são mais questões individuais, nós perdemos um pouco o que está presente na literatura latino-americana, mas não ficou presente no Brasil. É difícil, é um tema que eu não teria respostas, mas acho que é coisa que mereceria uma reflexão.

Ricardo Biazotto (Over Shock) – Como escritor, como é o seu trabalho na pesquisa, elaboração de um livro, publicação, como se dá esse caminho?
Villa – O trabalho do historiador é um pouco diferente do que o trabalho do escritor romancista, por exemplo, porque ele trabalha com fontes primárias e secundárias. Portanto, todo o trabalho depende dessas fontes. É um trabalho tão solitário, como do escritor, porém ele parte de um objeto, ele passa seu estudo, levanta hipóteses sobre esse objeto, estuda, sempre de acordo com as fontes que ele tem acesso. É sempre um trabalho, na maior parte das vezes, um trabalho solitário, e não é um trabalho agradável.
Essa história que é bom uma pessoa um dia plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro, as duas anteriores eu acho muito legal, mas escrever um livro normalmente é uma tarefa muito difícil, é uma agonia do autor com o texto, independente se é o primeiro livro, se é o quinto, o décimo, é sempre uma dificuldade dele com o texto, e da recepção do leitor em relação ao seu livro.
Ele nunca sabe qual vai ser a recepção. Pode ser positiva ou negativa, ele pode entender o livro de uma forma diferente do que você imaginou tal questão. Exemplo: o livro, quando você publica, deixa de ser seu e passa a ser de seus leitores. Mas é sempre uma tarefa individual muito difícil, não é fácil. É aquela ideia que você sempre acha que o último livro vai ser o último, você nunca mais vai escrever, mas quando aparece uma coisa interessante você acaba escrevendo. Essa questão, no caso do historiador, que é diferente, por exemplo, do sociólogo que pode trabalhar com uma equipe grande levantando dados, por exemplo, sobre um problema qualquer, independente da área de sociologia. O trabalho do historiador, muitas vezes é um trabalho quase tão solitário, creio, que o trabalho do escritor.

Villa e Valéria Torres (Foto: Ricardo Biazotto/Over Shock)
Ricardo Biazotto (Over Shock) – Mudando um pouco de assunto: recentemente houve as manifestações, que tomaram da mídia de um modo geral, então qual a opinião do senhor em relação aos manifestantes, em relação aos políticos e em relação as mudanças que essas manifestações causarão no Brasil.
Villa – É muito difícil a gente saber o que vai acontecer. Que o sinal foi dado, foi dado, se ele vai ser assimilado pela elite política é um ponto de interrogação. Acho que grande parte dela não está nem aí com o que aconteceu nas ruas, achou aquilo uma chatice, esperou a poeira abaixar e disse: “Vai continuar tudo na mesma”, a maioria pensa assim: que depois volta tudo ao normal. Normal é continuar tudo como estava antes de junho e tal. Pode ser até que isso ocorra. Como diz um amigo: “Pode ser ocorra tudo e pode ser que não ocorra nada”. A gente não sabe.
Agora, as manifestações apontaram as questões que são centrais, nós encontramos problemas incríveis. Houve uma ilusão na última década, especialmente, de que nós vivíamos em um país maravilhoso. Com o poder de comunicação do presidente era muito grande, até quando houve a recessão, como em 2009, que o Brasil cresceu negativamente, dava a impressão que o Brasil tinha tido um crescimento chinês e o Brasil regrediu, porque o poder de comunicação era muito grande. Por outro lado, há uma ausência sempre do contra discurso, que é a oposição. Qualquer país democrático tem governo e tem oposição. A oposição abdicou da proposta histórica de ser oposição.

Entrevista publicada em parceria com o blog Over Shock.

Nenhum comentário:

Postar um comentário